Lima Duarte revive Sassá Mutema, ‘O Salvador da Pátria’
Foto: Roberto Moreyra
Lima Duarte se orgulha de ter alma cabocla.
Puxada pelos fios da memória, a história de sua vida é contada de forma
apaixonada neste “Viva a TV!” — uma homenagem ao ator, que festeja 85
anos, e também o primeiro de uma série de especiais sobre os 50 anos da
Rede Globo, comemorados neste domingo . Afinal, a trajetória de Lima e
da emissora se confundem.
Foto: Roberto Moreyra / Roberto Moreyra
A
linha mágica da criação do ator nasce e morre nesse “mundo vasto
mundo”, ao qual apenas ele tem acesso, revelando prosa e verso de uma
essência interiorana. Sassá Mutema — o protagonista de “O Salvador da
Pátria”(1989) — talvez seja o exemplo que melhor traduz a raiz de sua
arte. Há sete décadas distante do pequeno Desemboque (MG), distrito onde nasceu,
Lima recria o boia-fria numa fase ingênua. A maneira com que narra a
saga do personagem deixa claro como ele, um homem tão afeito à solidão,
encontra doces companhias.
—
Sassá tinha uma ideia original linda. Ele não sabia amar, conversar,
escrever, ler, mas tinha o dom de manipular as flores e fazê-las
vicejar. Durante a novela, aprende mais e mais sobre menos e menos. No
fim, quando se torna senador, as flores não vicejam mais — diz o ator,
que ficou marcado na trama pelo bordão “ieu?” (versão caipira de “eu?”).
Adorável matuto: Lima Duarte como Sassá Mutema, da novela “O Salvador da Pátria” Foto: Divulgação A
trama de Lauro César Muniz dava sabor a um contexto efervescente e
delicado. Após mais de 30 anos de ditadura militar, o Brasil teria sua
primeira eleição direta para presidente. Os planos do autor haviam sido
esboçados, e Sassá ocuparia o cargo naquele 12 de agosto, quando o
último capítulo fosse exibido. Fora da ficção, Luiz Inácio Lula da Silva
e Fernando Collor de Mello polarizavam a disputa na corrida ao Palácio
do Planalto. Mas o correr da vida embrulha tudo. O matuto de Lima, um
homem do povo, foi associado ao candidato do Partido dos Trabalhadores
(PT), o que gerou uma pressão dos dois lados: a esquerda achava o
personagem muito manipulável, e a direita via nele uma propaganda para o
petista.
— Surgiu um grande impasse: Sassá não poderia ser
eleito! Fiquei abalado, chocado — recorda Lauro, que decidiu mudar o
rumo da história.
Lauro César Muniz Foto: Michel Angelo / Michel Angelo/Rede Record/Divulgação Uma
subtrama policial envolvendo narcotráfico ganhou destaque, e o destino
do protagonista, embora também encerrado em Brasília, foi alterado.
Vinte e seis anos depois, com a barba branca destacada no que antes era o
emblemático bigode preto, Lima Duarte acarinha o papel que ajudou a
conceber e dimensiona a insatisfação com o desfecho:
— Sassá era
maior que Lula. Foi amado e entendido em sua grandeza. Compreenderam
aquele chapéu, o jeito de falar. Ele era profundo. Muito mais do que um
papel de novela ou um político. Era uma metáfora do Brasil e do que
somos.
Lima Duarte se caracteriza como o Salvador da Pátria Foto: Roberto Moreyra / Roberto Moreyra
Lima Duarte se caracteriza como o Salvador da Pátria Foto: Roberto Moreyra / Roberto Moreyra No
camarim, o rosto de Lima ganha um camada de maquiagem para aproximá-lo
do boia-fria de décadas atrás. Diante do espelho, encara o reflexo e
estranha. Brinca: “Depois de tudo, Sassá vira uma bicha velha” (risos). O
personagem estará de volta em poucos (e por poucos) minutos. Instigado a
imaginá-lo nos dias atuais, o ator vagueia.
— Ele era muito
sensível. Será que termina assim, produto acabado da política,
melancólico? Acho que não. Talvez fosse assassinado, após tentar exercer
uma liderança — pontua ele, que conclui: — Os papéis vão morrer comigo,
mas não fico pensando neles. Curiosidades
Lima em “O crime de Zé Bigorna”: inspiração para Sassá Foto: Arquivo* A história de Sassá
é inspirada no caso especial “O crime de Zé Bigorna” (1974), também
escrita por Lauro e protagonizado por Lima. “A novela nasceu por
sugestão do Daniel Filho. Retomei o caso especial, ampliando a história,
criando linhas de intriga e acontecimentos paralelos. Zé Bigorna agora
se chamava Sassá Mutema. Nome inventado assim: Sassá, de Salvador e
Mutema, corruptela de muita teima”, explica o autor. * O sucesso do personagem
fez com que Lima fosse convidado para ser vice-presidente na chapa de
Mário Covas, em 1989. “Disseram: ‘Nosso candidato é o Sassá’”, lembra o
ator. Após o convite, Lima foi num jatinho para São Paulo: “Fernando
Henrique Cardoso dirigiu o carro em que eu estava para uma reunião”, diz
ele, que desistiu da disputa por conselho da família.
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